Pais criam e educam os filhos durante a infância, adolescência e até mesmo a fase adulta, tornando-se para eles as… [ … ]
14 de agosto de 2022
Pais criam e educam os filhos durante a infância, adolescência e até mesmo a fase adulta, tornando-se para eles as principais referências. Com o passar do tempo, no entanto, é possível que a lógica de cuidados se inverta.
Neste domingo (14), o g1 conversou com os irmãos Herb Barreto Filho e Renata Morais, que se dedicam a cuidar do pai, o professor aposentado Herbert Barreto de Morais, portador há 17 anos de uma síndrome demencial ainda não identificada.
Bito, apelido carinhoso de Herbert, apresentou os primeiros sintomas aos 52 anos. Alterações na sensibilidade e debilidade das pernas e pés vieram seguidas de pequenos esquecimentos. Desde então, os filhos acompanham o avanço da doença. Em busca de um diagnóstico, a família já consultou mais de 20 médicos especialistas.
“Apenas 52 anos e tivemos nossos ciclos de alegrias interrompidos. Papai começou a apresentar uma neuropatia em membros inferiores e em seguida, após um acidente automobilístico, iniciou um quadro de embotamento afetivo e déficit cognitivo. Cada dia era um dia diferente de exercício de paciência com ele muito agitado. Dava muitas voltas ao redor da casa. Até que, há nove anos, caiu no chão e não caminhou mais”, relembrou o médico Herb Filho, de 38 anos.
De acordo com a família, alguns médicos definem os sintomas como característicos de Alzheimer, doença que atinge cerca de um milhão de brasileiros atualmente. Ela geralmente se manifesta com a perda de memória, dificuldade em articular palavras e executar atividades do dia a dia e evolui para alterações de comportamento.
“Meu pai começou a esquecer das coisas, a ficar paralisado diante do tempo e do espaço. Lembro de todo esse início, das idas aos inúmeros profissionais de saúde, de quando começou a esquecer como se escrevia o nome dele, de tudo. Lembro também do choro dele durante muitas noites, porque começou a ficar com depressão. Ele sabia que estava doente”.
“Nas manhãs seguintes, eu ia trabalhar com o choro dele na mente e tinha que aguentar firme, pra ninguém notar o que eu estava enfrentando”, contou a arquiteta Renata Morais, de 39 anos.
Após episódios de broncopneumonia e engasgo, o professor aposentado passou por sucessivas internações e procedimentos cirúrgicos de traqueostomia e gastrostomia, incisões que auxiliam pacientes no processo respiratório e nutricional.
Nos dias atuais, Herbert recebe visitas diárias de enfermeiros e técnicos de enfermagem, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e nutricionistas.
“A lógica dos cuidados se inverteu. Estávamos diante do nosso pai acamado, totalmente restrito ao leito e muito ‘invadido’ por dispositivos que o mantém vivo”, disse Herb Filho.
Apesar das dificuldades e limitações físicas impostas pela doença, os filhos buscam oferecer qualidade de vida ao pai. E não poupam elogios à mãe, Margarida, casada há 40 anos com Herbert.
Hoje, o professor se comunica com a família por meio do olhar e do sorriso.
“Ele ainda se comunica com a gente com os olhos. Sorri, escorre uma lágrima! Somente com minha mãe, minha irmã e eu, ele dá esse feedback. Em meio a esse turbilhão de emoções tem uma rocha, uma fortaleza chamada Margarida. A gente deve a vida dele ao minucioso cuidado que ela tem diariamente. É o amor mais lindo que vejo“, afirmou Herb.
“Mesmo que pra medicina ele não tenha mais consciência, a gente ainda se comunica com ele. A gente se reveza nos cuidados, não como uma obrigação, mas naturalmente, como aprendi vendo-o e minha mãe cuidarem tão bem de seus pais. Meu pai não tem mais sua consciência plena, porém sinto a proteção e o amor dele em seus olhos”, explicou Renata.
“Ele não consegue mais me chamar de filha, a coisa que tenho mais saudade, a minha melhor memória, mas, embora ele não possa falar, ele sempre vai poder ouvir que ele continua sendo meu grande pai”, acrescentou.
A voz, o abraço e a intensidade de momentos simples com o ente querido fazem falta. Mas as lembranças, geralmente, oferecem conforto.
“As primeiras lembranças que tenho é ele amarrando meus cadarços pra eu ir pra escola. Como professor, sempre incentivando, à maneira dele, nossos estudos, reforçando que era o melhor que ele podia dar. Era do tipo de se fantasiar no carnaval. Tenho muito orgulho de ter crescido num ambiente super eclético, graças a ele. Tinha de tudo, de Pinduca, Jimmy Cliff a É o Tchan. Só depois de adulto me dei conta das maravilhas que ele fez por nós”, relatou Herb.
“Reencontrei um amigo dele que lembrava de mim e relatou que às vezes o convidava para jogarem bola e depois se reunirem com outros amigos. Meu pai, comigo em seus braços, dizia que não podia, pois tinha que cuidar de mim. Essa história já me faz entrar naquele clichê ‘meu pai, meu herói’, um dos mais doces e que gosto de ecoar”, completou Renata.
G1 PI
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