Hoje aos 19 anos, Fernanda* carrega em si as cicatrizes físicas e emocionais de quem teve a saúde mental comprometida… [ … ]
16 de setembro de 2021

Hoje aos 19 anos, Fernanda* carrega em si as cicatrizes físicas e emocionais de quem teve a saúde mental comprometida após episódios de abuso sexual na adolescência. Desde o ano passado, iniciou um tratamento para contornar a síndrome do pânico, a ansiedade e a depressão consequentes dessa história que ela não decidiu viver.
“Eu tinha certeza que ninguém ia ficar do meu lado se eu contasse. Eu sabia que as pessoas iam me culpar, então eu comecei a me culpar também. Me senti isolada, sozinha, meu humor oscilava muito. Pensei muitas vezes em encerrar essa dor que eu sentia [suicídio], mas vi na televisão uma reportagem e decidi procurar ajuda”, descreve a universitária, que já chegou a se automutilar.
Um sentimento extremo que Michele* também viveu e que quase custou a própria vida. Ela não pensava objetivamente em suicídio, mas queria interromper uma angústia específica gerada por uma má fase que viveu.
“Eu vinha numa sucessão de acontecimentos ruins. Chegou num ponto que eu sentia um nó na garganta, um aperto no peito e eu queria que aquele sentimento ruim passasse. Foi quando comecei a tomar comprimidos sem orientação médica. Tomei um e não passou. Dois, não passou. Três, não passou. Tomei até perder a consciência. Não fiz pensando em tirar minha vida. Fiz com a intenção de que a sensação passasse. O suicida não quer tirar a própria vida. Ele quer que aquele problema acabe”, disse Michele, que sobreviveu e conseguiu contornar a situação com acompanhamento profissional em uma clínica de São Luís.
Ninguém no mundo está livre de ficar extremamente triste. Situações ruins dão uma balançada, desestabilizam, mas, para a maioria das pessoas, são sensações que passam em alguns dias. Diferente da depressão, que promove uma alteração química no cérebro que distorce a forma de pensar e sentir as emoções.
“Eu queria passar o dia todo deitada. Não queria fazer nada. Perdi a conta de quantas vezes me chamaram de preguiçosa. Ninguém entendia direito, porque em um dia eu estava assim e no outro eu estava eufórica, querendo sair e reunir os amigos. Essa oscilação dava a sensação de que era era algo passageiro e eu demorei aceitar que algo poderia estar acontecendo porque não queria ficar marcada de ‘doida’, minha família não ia entender, dizia que era falta de Deus”, continuou a relatar Fernanda*.
Assim como a família da universitária, muita gente não entende. Isso gera um tabu em cima do tema, segundo o médico psiquiatra Ricardo Vasconcelos, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
“O estigma é muito ruim. Nós temos coração, pulmões, intestino, ossos, músculos e nós adoecemos de todos eles. Isso também pode acontecer com a nossa cabeça. Nosso cérebro não cuida só do sistema motor, cardíaco, das ações, enfim. Ele coordena também nossos pensamentos e emoções, por isso precisa de atenção também”, explica Ricardo.
Já é tarde da noite, é hora de descansar. O dia transcorreu bem, não há motivos para grandes preocupações. Mas você, durante a noite, acorda e o coração dispara. A sensação é de fim de linha. Sintomas intensos e reais. Não aparecem nos exames, mas estão lá: os transtornos de ansiedade.
A designer de interiores Gabriella Santos, de 29 anos, precisou ser encaminhada para um psiquiatra após sucessivos episódios de ansiedade generalizada. Os motivos: uma sequência de situações desconfortáveis no trabalho, em casa, no relacionamento e até com a própria saúde.
“Em 2018, eu tive um episódio de infecção urinária e precisei tomar um antibiótico que não me fez bem. Começou aí. Comecei a emagrecer, meus seios começaram a inchar, apareceram problemas ginecológicos, minha imunidade baixou e pra mim o culpado era o antibiótico. Saí de 53 kg para 42 kg em menos de seis meses. Fiz exames e estava tudo normal. Quando a ginecologista sugeriu uma terapia, eu não acreditei, não aceitei que poderia ser isso, porque eu sempre fui muito alegre e bem resolvida”, conta Gabriella.
Por estar resistente à ideia de fazer terapia, a rede de apoio de Gabriella foi fundamental para convencer a designer de interiores a procurar ajuda psicológica.
“Eu estava sem ânimo pra nada, nem pras coisas que eu gostava de fazer. Adoro maquiagem e nem isso eu queria fazer. No trabalho meu desempenho caiu e foi aí que e topei fazer terapia. Depois de algumas sessões, fui diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada e logo precisei da intervenção de um psiquiatra, porque a minha situação estava muito séria”, completou.
Após dois anos de tratamento, Gabriella conta que conseguiu recuperar o peso e restabelecer o equilibro emocional. No entanto, há cerca de duas semanas, uma nova crise de ansiedade deixou a designer de interiores em alerta.
“Foi quando eu percebi que eu ainda não estou totalmente curada. Essa é uma doença que precisa ser vigiada com muita atenção. Foi muito forte essa última crise que eu tive. Tive taquicardia, vomitei, minha pressão baixou. Então, tive que voltar a fazer atividade física e tomar os medicamentos direitinho”
Para obter ajuda e apoio emocional de prevenção ao suicídio, o Centro de Valorização da Vida (CVV), atende de forma voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.
O CVV atende pelo número 188. 24 horas por dia. A ligação é gratuita.
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Ao identificar alguém com sofrimento psicológico, familiares e amigos devem, sobretudo, se dispor a se aproximar, caso alguém demonstre estar sofrendo ou apresentando mudanças bruscas de comportamento. É preciso estar disposto a ouvir.
De acordo com os médicos, o ideal é que a pessoa seja encaminhada a um psiquiatra e seja medicada. E, no mundo ideal, que tenha um acompanhamento de um terapeuta e o apoio da família.
Durante o mês de setembro, um centro de apoio chamado “Projeto (re)começar: cuidado, saúde e amor” foi montado dentro de um shopping de São Luís para dar orientação gratuita a pessoas em sofrimento psicológico. O espaço reúne palestras, workshops e atendimentos de saúde.
Projeto oferece atendimento gratuito em shopping da capital
Fernanda* e Michele* são nomes fictícios para pessoas reais que cederam entrevista, mas não quiseram expor seus nomes verdadeiros.
G1 MA
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